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caro leon,
ao concordar em gênero e grau com as suas colocações, tomo a liberdade de publicar texto que produzi há alguns anos, quando da colocação da dupla de stents, relativamente ao andar em ambulâncias.
a criada pela Simca não deu certo na França e, pelo que me lembro, aqui também não. teria sido um alento em termos de deslocamento confortavelmente automobilístico.
o texto original foi publicado pela distante revista oficina mecânica. limpei os "ques" ultimamente suprimidos no meu escrever. espero goste. você e cada leitor do nosso sítio. eis aí:
De ambulâncias que ameaçam os pacientes
Roberto Nasser ( * )
Outro dia andei em ambulância. Sem a usual estamina pós adolescente mesmo passada a quinta década, toda vez que dirijo algo novo. O cinto de segurança não era de três pontos – ou de quatro, como nos verdadeiros esportivos. Ia atado por quatro faixas transversais sobre estreita maca, e à vida por um vaso de soro, um Isordil sub lingual, tubo de oxigênio, monitor cardíaco. Médica e enfermeiro com olhares entre o susto e a dissimulação, impacientes para que os rápidos caminhos brasilienses, livres na ensolarada e iniciante manhã de fim de inverno, facilitassem a rápida chegada à UTI pré avisada sobre enfarto em andamento em paciente que, tão interessado em transportes, porta quatro pontes.
Negócio
Allah, clemente e misericordioso, e eu temos um pacto. Sutilezas orientais, negociações fenícias. Da minha parte mantenho bom caráter, boas ações, a ética, a ecologia, e a incapacidade de pactuar com mau-feito e gente sem qualidade. E faço o que mandam o Dr Carlão Freitas, cardiologista, e o professor Nuno Cobra, condicionador físico, responsáveis por minha cansativa disposição. Allah, superior, quando extrapolo, provoca a genética deficiência e desastres químicos. Mira no coração. Pela terceira vez.
É educador amável, manifestando-se apenas quando a agitação já cansou todos em volta, incluindo o cachorro. O acordo continua válido: só quero a vida enquanto puder desfruta-la, pensar, provocar. Depois, não sei para o que servirá e aí, ele lerá a cláusula final do nosso contrato, que prevê data aproximada e método: 2.031, com um Jaguar novo, mais recente aquisição, fazendo curva mais rápida que o carro, sozinho na estrada, exceto uma sumaúma, a mais portentosa das árvores brasileiras, chamada a colocar o ponto final. Mais recentemente temo-nos perguntado se a marca durará tanto quanto eu ...
Então
Deixando de lado as digressões sobre a vida, nos poucos quilômetros como passageiro, acompanhei de corpo inteiro a incompatibilidade entre o veículo e o serviço no qual é aplicado. Não foi a experiência mais recente. Tão logo dito recuperado, agora portando uma molinha que tensiona para fora a artéria bi-entupida, como se fora aquela malha metálica que antecede aos catalisadores automobilísticos. Da receita de sobrevivência constava o vinho. E aí, três noites seguidas de grandes libações levaram a um pique de pressão devidamente atendido por outra ambulância. Pior que a primeira pois a maca se desmontou, e o médico era boliviano.
Nada disto
Das experiências restaram dúvida distante e certeza quase certa: na fórmula construtiva da ambulância brasileira, o projetista fez sem provar. Como se fosse possível, num exemplo comum, que o chef-de-cuisine criasse a receita e a servisse sem testá-la. Sem conferir se os ingredientes se entre combinam, se o produto final satisfaz aos olhos, o aroma ao nariz, o gosto às papilas, e a mistura, ao aparelho digestivo e ao funcionamento orgânico. Mantido o critério do projetista da ambulância, se o prato tiver a aparência de um urubu atropelado, se tiver cheiro de fim, e não de início, se fizer mal ao cliente, ele pouco se importa.
A ambulância brasileira parece criada por burocrata em fórmula simples: tome-se um caminhãozinho ou um picape, colocam-se-lhe uma cobertura e, no vácuo criado, maca, cabides e prateleiras. Parece ter sido cometida para ser atrativa por preço, para vencer concorrências de governos, prefeituras e empresas e, apenas adicionalmente, levar carga que mal respira, não se mexe, nem reclama.
A concepção não é a de veículo para levar um passageiro especial, com saúde em risco, ou com ferimentos e sofrimentos, em transporte integrado ao esforço hospitais, médicos e enfermeiros para amenizar sofrimentos alheios, restaurar saúde, salvar vidas. Mas é apenas um carregador de passageiro solitário viajando deitado.
Assim, a configuração mecânica não tem compromisso com a utilização. Por economia operacional emprega-se motor diesel, pequeno. Mas para cumprir sua missão, o pequeno engenho vibra ao fazer força para deslocar a massa de metal, plástico e vidros que moldam a ambulância. O câmbio, mecânico, não permite maciez na troca das marchas, e por isto, trancos são transmitidos ao corpo do transportado. Absolutamente inadequada é a suspensão traseira, por feixes de molas semi-elípticas. Foi projetada para carga seca, refrigerantes, bujões de gás, material de construção, enfim, coisas rígidas e pesadas. Com pouca carga, transformam seu corpo em amortecedor auxiliar, forçando-o a participar e sentir na pele, na carne, nos músculos, nos terminais nervosos, a rugosidade e buracos das ruas.
Há exemplos antológicos. Há anos utilizaram-se em Brasília ambulâncias baseadas em camionhõeszinhos Ford F 350. Feitos para carga, mas em ela, o rodado duplo com pneus diagonais na traseira, saltavam e faziam pular seus transportados. Em outro oposto, a Fiat criou ambulância para a polícia rodoviária das Minas Gerais. Era a Panorama, um Fiat 147 esticado. Moral da história, sua altura não permitia a administração de soro. E seu comprimento limitava o transporte em maca apenas a passageiros muito pequenos, inconscientes, com as pernas quebradas, ou mortos ... A Simca, fábrica de carros luxuosos, em 1963 apresentou um protótipo, como a única ambulância não derivada de picape. Ficou aí.
Em raciocínio amplo, nossos veículos são inadequados porque seus projetos não nascem com fim específico, mas ao contrário, vão do que já existe para aproximar-se de uma nova utilização. Isto ocorre pela ausência de regulamentação de especificações de uso.
Como fazer
As coisas poderiam ser melhores, dependendo apenas do interesse e da caneta oficial. Absolutamente simples: baixem-se especificações dos veículos em função do serviço a ser prestado. De ambulância a táxis e carros de polícia a inadequação é comum e a solução a mesma.
Basta apenas aos órgãos de trânsito parar de pensar apenas como arrecadar com multas em barreiras eletrônicas, e se dedique à sua missão oficial.
No caso das ambulâncias é simples especificar altura livre para movimentação interna, capacidade elétrica para alimentar equipamentos, padronizar e harmonizar sua maca com a dos hospitais; altura para administração de soro ou sangue. Quanto à mecânica, o conceito construtivo deve ter como determinante a prestação do serviço. Assim, ambulância é como carro de bombeiros – consumo é dado irrelevante, e o mandatório é a aceleração e o poder chegar rápido. Assim, nada de motorzinho, mas liderando a estrutura, motor forte acoplado a transmissão automática, capazes de acelerar e chegar rápido ao destino, sem trancos.
Outro ponto fundamental é a suspensão, a ser projetada para dar conforto e estabilidade. O sistema a ar é de ridícula facilidade para ser colocada, resistente e confortável.
Se o governo federal quiser fazer, é fácil. Basta regulamentar especificações a ser cumpridas pelos veículos. Um mínimo padrão – capacidade de frenagem, de iluminação, de filtragem de barulho, temperatura, vibrações, estabilidade, força a ser aplicada ao volante. E especificamente, regular exigências para o uso a que se destinem: ambulância, carro de polícia, de bombeiros, do serviço público, táxis e carros destinados unicamente a rodar nos centros das cidades. Nada disto é exigível no Brasil onde o automóvel é considerado produto divino. E nesta relação a parte relativa ao governo é proteger o consumidor, estabelecer um mínimo de adequação e de respeito. Fazer é fácil. Basta mandar. Se os fabricantes fugirem da empreita, basta abrir a importação sem gravames, e a sociedade concordará com a renúncia fiscal em troca de melhores resultados, mais conforto, segurança, menos poluição.
(*) Curador do Museu Nacional do Automóvel, consultor em veículos e entender governos - quando não está andando em ambulâncias ...
ps; este texto inspirou um trabalho de conclusão de curso, um tcc, de um bombeiro militar em uberaba, mg. serviu como apoio a exercício acadêmico mas, infelizmente não serviu, sequer com o aval profissional do militar envolvido em salvar vidas, a mudar critérios. Capitão Cristalino, meus respeitos.
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