Compramos essa Jangada 66 em 13 de julho de 1986, eu e o meu irmão Roberto, por Cz$8.000,00. Não escrevi errado não, o preço foi oito mil cruzados. O vendedor se chamava Zé 500 e o carro ficava na rua, em uma favela na cidade de Sabará.
A pressa que nunca tive na restauração apareceu com esse evento de Poços de Caldas. Há uns 10 anos o carro estava pintado, funcionando, rodava com ele pelas ruas aqui perto de casa. Mas não dava para organizar um evento de Simca sem levar uma Simca. A partir dai foi uma correria louca para montar e terminar em uns três meses o que não havia sido feito em quase 30 anos.
Vendo o bom trabalho feito por um tapeceiro de 80 anos nos carros do Alex Matias e do Norian, e animado pela boa referência que os dois deram sobre a pessoa do Arnaldo, resolvi mandar o carro para terminar em Santo André, mesmo morando em Belo Horizonte. Aproveitando a oportunidade, combinei uma revisão mecânica com o Dr. Simca, também conhecido como Guedes. Combinei também alguns acertos de lanternagem e pintura na oficina que pertenceu ao Zelão, que supervisionou tudo para mim. Os três (Arnaldo, Guedes e Zelão) montaram um esquema que deu certo: na 4ª feira anterior ao evento, no final da tarde, eu peguei o carro com o Arnaldo.
Difícil descrever a sensação: eu rodando com a Jangada sozinho no trânsito das 18h entre Santo André e São Paulo. Quando estava parado na parte velha da Anchieta, olhei para os prédios antigos e me deu uma sensação de
deja vu estranha, fiquei imaginando que esse carro passou ali há 50 anos atrás quando “nasceu” na fábrica e veio para Minas Gerais, onde foi vendido. Foi tudo muito bem no trânsito e eu cheguei tranquilo na casa do meu irmão em São Paulo.
Na 5ª feira de manhã, peguei a Bandeirantes rumo a Poços de Caldas. O freio estava um pouco baixo, nada que preocupasse. Passei em um pedágio e notei que o guarda olhou para dentro do carro com atenção. No pedágio seguinte um guarda estava me esperando e me mandou parar. Perguntou sobre os cintos de segurança, que eu não tinha. Pediu documentos. Além dos cintos de segurança, o carro não tinha limpadores de para brisa, apenas um farol funcionava e a placa não estava selada. Um sol insuportável. De posse dos documentos, o guarda olhou por cima dos óculos escuros e perguntou se o carro era verde, como constava neles. Não dava para enganar, pois ele é azul turquesa. Eu havia obtido a documentação de 2015 uma semana antes, pois tinha parado de pagar há vários anos. Eu me esqueci de quando comprei o carro ele era verde.
Uma hora esperando o guarda consultar o manual, vira página pra cá e pra lá. Ele reteve os documentos, aplicou as multas e me disse que seria uma pena mandar um carro como esse para o pátio.
Segui viagem. No primeiro posto de gasolina, piso no freio e o pedal vai ao fundo. Absolutamente nada. Tirei o cilindro mestre. Não havia muita condição no posto. Não tirei o reparo, apenas limpei a sujeira que deu para limpar, joguei um desengripante e segui viagem. Funcionou, pois o carro chegou em Poços ainda com algum freio.
No meio do caminho, uma coincidência incrível: tem um restaurante chamado Jangada, da melhor qualidade. Servem peixe, delicioso. É claro que eu não podia passar direto, tinha que parar. Valeu a pena. O Nasser estava passando de ônibus naquela hora. Perdeu o peixe, mas chegou antes de mim por causa do problema com o freio.
Na 2ª feira, após o evento, peguei a estrada para BH. Para resumir a história, tive que tirar o cilindro mestre três vezes. A cada pisada o êmbolo voltava menos. Parando em uma oficina mecânica de caminhões, a funcionária me deixou usar a morsa, ofereceu lixa para trabalhar no cilindro, óleo diesel para limpar as peças, ar comprimido, água corrente com pressão. Então desmontei tudo: uma sujeira inacreditável. Também pudera, o freio tinha sido montado há uns 10 anos.
Mas não teve jeito, pois as borrachas internas do cilindro estavam inchadas. Chegando em Belo Horizonte, fiquei totalmente sem freio. Estava escurecendo, eu não tinha mais pique para desmontar novamente e vencer mais alguns quilômetros. Antes, já prevendo essa situação, tinha parado em um posto, usei a valeta de caminhões e coloquei o freio de mão o mais justo possível. Foi o que me salvou no trajeto urbano final cheio de quebra molas e com o trânsito intenso, entre a BR e a casa do meu irmão, que fica em uma cidade 60 km antes da minha. Consegui chegar lá, dormi e no dia seguinte ele me trouxe em casa.
Peguei ônibus para Poços de Caldas, a minha Fiorino tinha ficado lá. Na correria não deu tempo para fazer uma logística melhor. Voltando para casa, troquei o reparo do cilindro mestre, peguei outros ônibus e fui buscar a Jangada, que então finalmente chegou em casa na 6ª feira.
Apesar dessa questão com o freio, foi bom demais viajar com a Jangada. O motor amaciando, a gente vai conversando com ele. É algo muito pessoal, do tipo "dentro do carro, sobre o trevo, a 100 por hora, oh meu amor, só tem agora os carinhos do motor". Esse motor foi montado pelas minhas duas mãos, mais as do Loty e também as do Enrique Plá. Um motor montado a seis mãos tem que funcionar bem. Um episódio me marcou muito sobre isso. A Jangada foi o penúltimo carro a deixar o evento, no domingo à tarde. Ficou apenas o carro do Rui. Uma pena, pois passou muita gente ali nesse período. Um matuto, sujeito da roça mesmo, estava simplesmente deslumbrado com o carro. Quando liguei o motor, ele não acreditou e perguntou: "Uai, está funcionando? Não é possível. Olha gente, o motor está funcionando e a gente nem ouve".
No início da Bandeirantes o carro não queria passar de 70, 80 km/h. Respeitei, pois afinal ali ele não tinha mais do que uns 200/300 km rodados, apesar de montado há mais ou menos 10 anos. Pesou também o meu medo de forçar nesse início de vida em estrada. Na chegada aqui em BH eu já estava mais acostumado com ele e assim vi que ele estava confortavelmente empurrando o carro no plano e na subida leve a uns 100/110 km, sem esforço. Afinal, é um Super Tufão!
Foi muito bom. Agora é terminar os detalhes, emplacar, placa preta e rodar, rodar e rodar de Simca. O problema é encher o tanque: saindo do tapeceiro, mandei encher e a conta foi de 250 reais. Aqui em Minas a gasolina é mais cara, então vai passar de 300. Mas vale a pena, é bom demais andar de Simca!