Re: Notícias
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Leon on
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Grande abraço ao nosso amigo Roberto Nasser, neste cinquentenário completado por sua coluna De Carro Por Aí:
Um dos dizeres no colecionar automóveis antigos, o antigomobilismo — neologismo no Dicionário Houaiss — define, o automóvel escolhe o dono — e sabe para onde conduzi-lo.
Válido para mim e minha vida profissional. No caso, um sofrido sedã DKW-Vemag fez-me privilegiado observador de 50 anos da indústria do automóvel, levando-me às Olivetti e à banca de advogado especializado.
O residir em Brasília pós-inauguração auxiliou muito. Não apenas pelo aspecto institucional, quando a autoridade do Executivo ou do Judiciário — o Legislativo tinha autonomia restrita no período — podia ser seu vizinho de porta, quanto pelo fato de o Plano Piloto reunir a maior concentração de carros nacionais, a frota mais nova do país. Era consequente ao incremento à renda do funcionalismo transferido e do início da democratização do automóvel. Havia a considerar, era a única cidade do país onde o esporte preferido era o automobilismo.
Agente de evolução, o motor do gasto Vemag azul de teto prata foi submetido a receita publicada numa revista. Dois sem-noção, o agora saudoso Aruí Pinheiro de Souza e eu, cometemos doméstica(?) tentativa para melhorar seu rendimento.
Se deu certo? E podia? Era uma mão de obra para funcionar. Primeiro, tirar as velas de gama térmica fria e colocar as quentes. Virar o arranque sem acelerar; depois, com o afogador puxado; ao pegar, mantê-lo afogado até ameaçar morrer inundado de gasolina. Aí, leve pressão no acelerador e um minuto com o pé suave para limpar o excesso de combustível. Após, desligar o motor e trocar as velas quentes por outras médias. Repetir o processo, esperar o marcador de temperatura iniciar seu caminho pelo quadrante; desligar; trocar as velas pelas ditas frias. Aí, então, podia-se apontá-lo para a Universidade de Brasília.
Era coisa de 15 minutos toda manhã, com filtro de ar e ferramentas sobre a grama em frente à portaria social do bloco K, mãos sujas e o formidável cheiro do Castrol R, lubrificante para corridas, amostra olorosa e de intimidade com o ambiente esportivo.
O Ari Cunha, hoje Condômino e Vice-Presidente dos Diários Associados, era editor do Correio Braziliense, vizinho no primeiro andar — e compulsório participante pelo barulho, fumaça e odor da mistura gasolina+ óleo queimada. Um dia, saindo do prédio, ao cumprimentar, falou: “Se você escrever a metade do que faz em mecânica, precisamos de você no Correio. Quero fazer uma coluna sobre automóveis.” Foi na manhã da segunda-feira, 30, outubro, 1967.
Na quinta-feira, 2, novembro, feriado de Finados, saía a primeira. José Helder de Souza, editor do segundo caderno, alma boa atrás de cara brava, recebeu-a, sequer retocou. Começou assim, há 50 anos.
Cenário
Época de muitas mudanças, encerrando-se o segundo ciclo de motorização no país. O governo revolucionário mudou as regras de instalação, cancelou o projeto de criar carros brasileiros por empresas nacionais e fomentou sua venda. As então nacionais Willys, Vemag, Simca, FNM passaram a controladoras estrangeiras — Ford, VW, Chrysler, Alfa Romeo. A Coluna ajudou a moldar a minha vida e especialidade como advogado após formado. Em início era indefinida em espaço e periodicidade, mesclou cobertura do tema, lançamentos de novos participantes, e movimento de corridas. O novo ciclo incluiu lançamento do motor VW 1300, apto a expandir cilindrada, insuflou preparação, construção de protótipos, novos pequenos fabricantes com a arquitetura mecânica Volkswagen. Não era bem-comportada. Era palpiteira, crítica, personalista, escrita na primeira pessoa do singular, num autodesafio: fazer cobertura tão bem informada quanto os jornais cariocas e paulistas, onde à época estavam as indústrias de automóveis. Caminhões não eram tema, por coerência e falta de vivência ou leituras específicas. Isto mudou num dia, chegado da UnB para entregar meu texto na redação, o dito Zé Helder informou ser necessário dar mais cobertura a caminhões. Não entendo disto — como se entendesse de automóveis … — expliquei. Não posso fazer. É ordem do Edilson, explicou. Edilson para ele, Dr. Edilson Cid Varella para mim, presidente da S/A editora do Correio. Conhecia-o com superficialidade. Morávamos na mesma quadra, meus pais e ele tinham amigos em comum. Fui à sua sala, recebido sem complicações, expliquei não poder atender ao pedido. Ganhei aula gentil: Caminhões podem ser bons anunciantes, e os anúncios é que pagam as contas, até o seu salário. Assim, se você não entende, gostaria de ponderar que passe a entender. Entendi a ordem. Foi um outro DKW-Vemag na minha vida. O conhecimento absorvido teve resultado impensado. Após laureado em Direito saber do que falava ajudou-me a conquistar clientes do ramo, e para estes obter medidas legais como o aumento do comprimento dos caminhões, do peso bruto sobre eixos, reclassificação fiscal, por aí.
A operação automobilística no Brasil tem marca mundial: a rentabilidade elevada, desde sempre. Teve até CPI na Câmara. E outra, escolhas de produto nem sempre felizes. Ford é bom exemplo: o Galaxie, então modelo de mais luxo no país, foi um tiro n’água: nunca decolou, seu maior ano de vendas foi o do lançamento. Terceiro produto, o Maverick, insistiu na escola norte-americana, quando o desenho do país mudara às preferências europeias, como mostrava o Corcel, um Renault. Companhia, a primeira a vir para o país, quase deixou-o na década de ’80, mantendo-se associada à Volkswagen sob o rótulo de Autolatina. Da liderança hoje tropica do quarto lugar para baixo.
De operações industriais, três têm especial relevo: a Fiat revolucionou com o motor transversal e itens pouco sabidos, especificações em folgas e tolerâncias. Mostrou como o país estava atrasado no convívio com os automóveis. Os óleos lubrificantes de então tinha classificação API limitada a SD — hoje está próxima ao final do alfabeto. Outra conquista como advogado. Das novas, o ciclo Toyota deflagrador de qualidade no país, e a surpreendente Hyundai e o HB20, o monoproduto mais vendido do país.
Período rico em mudanças, e a utilização do álcool como combustível foi oportunidade perdida em liderar produção e tecnologia mundiais. O governo federal não o tocou como questão de Estado, mas apenas como de varejo. Daí, sabemos produzir. Usar, não!
Nossos veículos são inquestionavelmente resistentes — é o grande know-how nacional —, mas a indústria do automóvel é tratada como coisa isolada, sem integrar planos de governo. Usa alíquotas anti-importação em seu limite máximo para impedir a sadia concorrência dificultando a entrada dos importados, cultivando a ineficiência, rentável aos fabricantes, lesiva ao país. A última aventura, o Inovar-Auto, nada inovou ao permitir montagem de veículos com percentuais de nacionalização idênticos aos praticados ao início dos anos ’50, antes da implantação da indústria automobilística. A abertura dos portos à importação, pensada desde o governo Sarney, corporificou-se com o de Collor. Ato de coragem, acabou travado pela aplicação de taxas em seu teto máximo.
A presença dos importados a preços inicialmente competitivos acabou com as pequenas indústrias locais, usualmente utilizando plataforma VW. Sem voz corporativa não quiseram negociar forma de sobrevivência e acabaram se estiolando. Sobrou a única com projeto completo de produto e construção, a Gurgel. No governo Itamar, sucessor, criou-se a fórmula do carro popular, com motor 1,0 litro, para dinamizar vendas e produção. Solução política de razões esvaídas no tempo sobrevive. A Gurgel foi-se num embrulho não explicado.
Dentre as conquistas nacionais, inequivocamente quem puxa a fila do orgulho são os pilotos de corridas. Entre o Brasil instalar a primeira indústria e produzir o primeiro campeão mundial de Fórmula 1, Emerson Fittipaldi, em 1972, decorreram apenas 15 anos. Temos 8 títulos na categoria — 2 Emerson; 3 Piquet; 3 Senna —, inúmeros em outras categorias. Brasília detém a maior quantidade de pilotos de Fórmula 1 por população ou área: 2 Piquets, 1 Alex Ribeiro, 1 Pupo Moreno. E fizemos um carro de Fórmula 1, o Copersucar Fittipaldi, criticado como tudo brasileiro, mas à época com resultados superiores a equipes tradicionais, Ferrari inclusive. Brasil desperdiça talentos sem política de desenvolvimento tecnológico pelas corridas.
Gente
No período observado, o setor teve gestores marcantes, em especial os responsáveis por sua implantação num país sem vivência ou infraestrutura; prazo para atingir 90% de nacionalização — sem indústria de autopeças. Depois, também, e destes, ao meu ver o de maior proeminência foi o recentemente desaparecido Wolfgang Sauer, da VW — a Coluna atropelou os jornais paulistas e deu sua indicação como furo —-, fazendo a transição do velho Fusca para os motores modernos e dianteiros; trocando Passats por petróleo iraquiano; exportando Voyages e Paratis aos EUA e Canadá. Mais recente, Cledorvino Belini, em processo de longo prazo, fazendo o impensável: tornar a Fiat líder no mercado local — única liderança no mundo —, extremamente rentável. Das muitas autoridades talvez o engenheiro Celso Murta, presidente do Contran tenha sido o mais profícuo: levei a ele sugestões para tornar obrigatórios o uso de capacete por motociclistas, e de cinto de segurança por motoristas e passageiros — aceitou, tornou-as regra, salvou muitas vidas.
Coluna me levou a ser o redator da parte de automóveis na CPI do Consumidor, na Câmara dos Deputados, e à oportunidade de sugestões de segurança veicular posteriormente adotadas.
De líderes setoriais a quatro dedico especial referência: Alencar Burti, da distribuição de veículos, incansável em visão social; André Beer, da indústria automobilística. Quando presidente da Anfavea, associação dos fabricantes de veículos, defendia a causa brasileira, e após sua gestão, para o governo permanecia como referência em confiabilidade, como também o era o advogado Célio Batalha. Célio foi-se muito novo quando presidia a entidade — uma das melhores pessoas que tive a sorte de conhecer e privar. Hoje deve ser santo sem diploma. O engenheiro Rogélio Golfarb, também ex-presidente da Anfavea, tenho como o sujeito mais preparado no mesclar indústria e economia. Fiz amigos, contatos, conhecidos, gente boa de trocar impressões e conhecimentos.
Coluna teve projeção nacional, integrando prêmios e júris sobre produtos, como o da Abiauto e o L’Auto Preferita. Internacionalmente, o da FIPA de jornalistas latinoamericanos, e o International Engine of the Year. Neste, dentre os quatro jurados brasileiros sou o único não-engenheiro. Minha biblioteca, supera 10 mil livros do setor, ajudou muito.
No Correio, a Coluna se transformou no Jornal do Automóvel, caderno especializado. Em paralelo e por pequena sociedade, foi desafio para escrever no JOSÉ, jornal da semana inteira, marcante semanário sobre política e atualidades. Mesmos temas, público mais pontual, abordagens e redações diferentes. Após, iniciou-se período de expansão, com a Gazeta, em Vitória, ES; com a Gazeta de Alagoas; depois no Jornal de Brasília e na Gazeta Mercantil. Hoje está em 45 veículos diferentes e tem médios 10 milhões de acessos mensais. Muito? Pouco? Números impensáveis há pouco tempo, e com certeza aumentarão.
Num balanço, tenho convicção de tê-la feito socialmente útil, honesta com o leitor em busca de informação, e com direito a medalha por assiduidade: nunca deixou de sair, nem férias, nem hospital, nem UTI a detiveram.
Ricardo Reys, o chileno conhecido como Pablo Neruda, tem livro interessante, Confesso que vivi. Modestamente atrevida, a Coluna diria: Confesso que vi.http://www.autoentusiastas.com.br/2017/11/industria-automobilistica-um-longo-olhar-de-50-anos/